Os entraves da educação a distância durante a paralisação escolar

Diante da pandemia do Coronavírus, várias áreas sociais foram afetadas diretamente e uma delas foi a educação. 

Com as aulas paralisadas, para evitar o contágio entre alunos, professores, funcionários e suas famílias, um novo desafio surgiu: como garantir que os alunos tenham acesso ao ensino mesmo de suas casas? 

Por isso, Resolvemos ouvir professores, suas angústias e esperanças frente a esse cenário, para você, stoodiano, ter um material consistente sobre esse tema.

Vamos lá?

O que é homeschooling?

O homeschooling é a substituição integral da frequência à escola pela educação doméstica, na qual os pais são totalmente responsáveis pela educação formal dos filhos. A paralisação das aulas devido ao coronavírus reabre a discussão sobre essa modalidade de ensino, assim como o debate sobre educação a distância para o ensino básico.

Lembrando, inclusive, que em maio de 2019 essa polêmica já surgiu na sociedade brasileira, quando foi enviado à Câmara dos Deputados o projeto de lei  2401/19, visando regulamentar a Educação Domiciliar, portanto um tema muito possível para a redação do Enem.

Problemáticas do ensino a distância

A alternativa foi utilizar as ferramentas para educação na tecnologia e propor aulas remotas e online, ou seja, professores de todo o país tiveram que se adaptar à educação a distância.

A palavra adaptar não cabe muito bem nesse caso, pois não houve tempo para adaptação. Professores, que antes não tinham contato profissional e capacitado com as tecnologias, viram-se diante dessa realidade que acarretou diversos entraves, dentre eles, a desigualdade. 

Já latente na educação brasileira, a desigualdade separa quem pode acessar às aulas com seus aparelhos tecnológicos e rede de internet e quem está completamente desamparado. Além do fator emocional, a presença física no ambiente escolar foi substituída por telas e se restringe aos espaços das casas, geralmente não adequados para isso.

Dificuldades relatadas pelos professores

Novas tecnologias e cobrança em excesso

Assim como as outras pessoas, entrar em isolamento social, quarentena como se disseminou o termo, foi uma surpresa para os professores brasileiros. Mariana Carlos Maria Neto (31), professora de rede particular em São Paulo e o professor Thalles Barros (30), professor também da rede particular, em Maceió (AL), concordam que foi uma surpresa, apesar de saberem dessa possibilidade devido às notícias sobre  a pandemia.

Mariana destacou que recebeu todo suporte da instituição particular na qual trabalha, mas mesmo assim precisou tomar algumas atitudes.

Não tinha o material em casa, porque o computador para mim é apenas para a escrita. Então, no começo, até comprar a webcam, fiquei indo ao curso. Dava a aula online, numa sala vazia, fazia o processo pelo Zoom e, qualquer coisa tinha uma pessoa que estaria lá e poderia me auxiliar. Foi produzido um material, porque eu não sei mexer em nada de tecnologia”. 

Esse relato é comum entre os professores, pois foi necessária toda uma reinvenção no formato das aulas e não é apenas saber ou não usar as ferramentas tecnológicas, mas o quanto inseri-las na rotina muda nossa relação com o trabalho.

A nossa carga de trabalho aumentou consideravelmente. Eu considero esse ano de 2020, o ano que eu mais trabalhei e olha que a gente vai começar agora o segundo semestre e é como se nós estivéssemos já finalizando o ano. O nível de cobrança do aluno aumentou, o tempo para preparar o material, para se aperfeiçoar, para buscar novos cursos, novas ferramentas. Isso tem feito com que a gente trabalhe muito mais. E pelo fato de estarmos em casa, é como se nós não tivéssemos um tempo de descanso, a gente não consegue desconectar daquilo ali”, comentou o professor Thalles.

Desigualdade social no ensino a distância

As professoras Anderlúcia de Castro Ferreira (38), de Anicuns (GO), e Vanessa Angélica Ferreira da Silva Bittencourt (43), de Cachoeira Paulista (SP), atuam na rede pública, ambas em cidades do interior de seus estados.

Sendo assim, convivem com o fator da desigualdade em relação ao acesso às ferramentas da educação a distância.

Anderlúcia apontou: “Nós tivemos que fazer várias coisas sozinhos. Tivemos que reaprender a dar aula. Apesar de já ter contato com EAD, eu fiz vários cursos. Uma coisa é você participar como aluna, outra coisa é você estar ali, da noite para o dia começar a gravar vídeos, fazer vídeo aulas, você ter que aprender um monte de coisas. Esse amparo eu não tive da escola, até porque a escola também não tinha com o que me amparar, ela não tinha recursos”.

A professora relata que muitos alunos, principalmente da zona rural, não têm acesso à internet, uma minoria tem computador em casa, assim muitos dependem do celular para acessar as atividades e, em alguns casos, é um aparelho para ser dividido com a família. 

“Infelizmente, apesar de algumas pessoas afirmarem que a tecnologia está aí para todos, a gente sabe que não está, tem esta distinção de classe, aqueles que têm uma situação financeira melhor. As aflições, principalmente com os alunos de terceira série do Ensino Médio, estão muito preocupados, porque é o ano de Enem, é um ano muito decisivo”.

Em 2011, a ONU declarou o acesso à internet como um direito humano, mas o contexto de pandemia nos fez enxergar o quanto existem pessoas afastadas desse direito.

Isso ficou visível na fala da professora Vanessa. “A dificuldade é o fato de termos que, da noite para o dia, aprendermos a lidar com uma modalidade de ensino até então distante; perceber que os aparelhos que tínhamos não estávamos aguentando, que a internet não era das melhores. É necessário investimento em algo que não estava planejado no orçamento”.

Vanessa se diz ser “professora do abraço” e não ter o contato com seus alunos tem sido deprimente.

Anderlúcia também relata que se sente mal pelas incertezas da relação professor-aluno no modelo a distância: “Você quer dar o seu melhor, você quer entregar o melhor para o seu aluno e você fica imaginando: será que esse aluno está conseguindo compreender, será que eu estou conseguindo atingir o meu foco, tudo isso vem à cabeça e acaba criando uma carga emocional muito grande.”

Dificuldades emocionais na quarentena

O lado emocional é um fator bem preocupante, visto que as dificuldades físicas só acentuam o problema. Ao trabalhar com educação sabemos que o ambiente precisa ser propício para o aprendizado acontecer. 

Nesse ponto, a desigualdade intensifica o problema, pois enquanto os alunos de classe sociais mais elevadas terão em casa um escritório, um quarto individual para o estudo, os alunos de outras classes lidam com a dificuldade de casas pequenas divididas entre vários membros da família. 

A professora Mariana, apesar de trabalhar em curso pré-vestibular privado, atende a um público que lida com dificuldades também sociais, por ser curso noturno, parte de seus alunos trabalham, ou são bolsistas.

Os alunos relatam, além da ansiedade da pandemia, estar em casa, não ter espaço para estudar, a família toda está em casa, não há um  espaço de estudos reservado. Essa deve ser a situação preponderante no Brasil, casas pequenas com famílias numerosas”

Para o professor James Resende Dias (34), do Maranhão, o silêncio é fundamental para o estudo, além disso, a concentração dos alunos nesse novo formato de aula também é um desafio. “Muitos alunos ficaram com medo de que não conseguissem se concentrar em uma aula só com slides”. 

Já a professora Isabela Amorim Arraes (30), de São Paulo, vê a dificuldade de organizar o tempo para fazer as tarefas um dos pontos que interfere na saúde emocional dos envolvidos nesse processo, tanto alunos quanto professores. 

O professor Thalles, consciente sobre a realidade de incertezas para os seus alunos mostra o quanto o fator emocional vai exigir uma atenção também.

O nosso aluno migrou para o ambiente digital de maneira forçada, não houve uma preparação disso. Simplesmente migramos para isso, muitos alunos até ficaram meio atordoados, meio atônitos sobre como funcionaria essa dinâmica”.

Diz ainda que, em um primeiro momento, foi bem complicado, alguns ainda estão encontrando certa dificuldade mesmo com todo suporte, com toda a estrutura que tem sido montada para eles, mas pelo fato de não ter o hábito de estudar com esses recursos digitais, muitos estão desistindo,  com dificuldade para organizar horários e construir uma rotina de excelência.

Existe o mito do nativo digital – a crença sobre as pessoas que nasceram depois do advento da internet, como se fossem capacitadas a usar a tecnologia para a resolução de todos os seus problemas cotidianos, como se desenvolver em ferramentas educacionais com facilidade – que desconsidera o quanto os alunos não estavam preparados para essa realidade. 

O professor Renato Alberto Rodrigues (48), de São Paulo, afirmou que os alunos “têm dificuldades de enviar as lições de casa por conta da inexperiência com editores de equações matemáticas. Alguns acabam escrevendo no papel e enviando fotos. Isso dificulta a correção porque muitas vezes as fotos não ficam boas”. 

Novamente essas dificuldades vão reforçando a angústia de não fazer um trabalho eficiente. Para Renato é deprimente sentir, durante as aulas ao vivo, que está falando sozinho.

Mariana vai além: “Não sei se estou preparada para esse buraco que as relações virtuais colocam na experiência concreta da aula. Eu acredito muito nessa coisa humana da aula, de estar lá e olhar, de falar com a pessoa. O espaço da sala de aula, para mim, é super importante, é um lugar onde a temporalidade muda, é o lugar em que se suspende o mundo banal, para  a gente falar da história do mundo, das relações humanas, da história das Ciências, de como funciona a Física, a Química, essas coisas todas. Então para isso, para essa experiência de lidar com o vazio da técnica eu não estou preparada.”

Expectativas pós pandemia

Apesar dessa enorme lista de dificuldades, alguns professores estão esperançosos e apostam na educação a distância. Os oito entrevistados concordam que ela foi uma ferramenta para garantir que a educação não parasse. 

Anderlúcia até comentou que ter esse contato, mesmo que mínimo, virtualmente com os alunos diminuiu a possibilidade dos números de evasão escolar aumentarem, visto que já são muito preocupantes. 

Em abril de 2018, a revista IstoÉ, em um reportagem especial sobre Evasão escolar, divulgou que 52% dos brasileiros entre 19 e 25 anos deixaram de estudar, não se dedicam à escola como deveriam ou estão atrasados em sua formação.

O EAD vai transformar o cenário brasileiro?

A EAD “trata-se de uma tendência mundial que não apenas está relacionada ao isolamento social, mas também à adaptação a um mundo tecnológico, para a professora Isabela.

Segundo o professor de curso pré-vestibular, em Belém (PA), Joelson Beltrão Alves (27), a EAD pode ser uma aliada na formação dos brasileiros, principalmente depois da educação básica. 

Onde estão os preconceitos com o ensino EAD? Todas as instituições escolares, neste tempo de isolamento social, recorreram às plataformas virtuais. Ele está mostrando a todos que, independentemente das dificuldades – o que é normal em qualquer modalidade educacional –  pode sim haver aprendizagem com eficácia e com  qualidade! Parem de criticar quem faz curso, graduação, especialização, pós-graduação a distância! É desnecessário!”

Quem atua na área da educação estudou, ou já teve algum contato, com a teoria da “pedagogia da autonomia”, de Paulo Freire, acreditando que o aluno pode ser o protagonista de sua aprendizagem. 

O professor James observa que esse contexto de pandemia pode nos despertar para “formar um novo comportamento nas pessoas de que elas podem ser mais autônomas, de que a educação não pode ficar vinculada somente a um lugar físico ou a uma instituição, a educação agora se provou ainda mais como uma responsabilidade tanto do Estado quanto das famílias. 

“As famílias, agora, tiveram que conviver com essa educação ali o tempo inteiro. Eu acho que é um grande desafio, mas a educação a distância é importante em qualquer momento, porque existem circunstâncias da vida em que, talvez, esse aluno e a gente mesmo não possa ir em um lugar físico, mas essa liberdade que a educação a distância nos dá é maravilhosa”

Ele espera que pós pandemia possamos continuar ainda mais alinhados com essa educação tecnológica. Diz ainda que irá buscar integrar um pouco mais da tecnologia a distância, mesmo que não seja obrigado.

Aspectos positivos do ensino a distância

Existe, portanto, esperança! A professora Anderlúcia procura se manter otimista até para fortalecer o seu estado psicológico para o retorno às aulas presenciais.

“Acredito que vamos voltar muito mais fortalecidos. A expectativa é que volte e nós possamos ser profissionais ainda melhores e que os nossos alunos possam reconhecer o valor do nosso trabalho, mas sei também que não será fácil trazer esse aluno que ficou tanto tempo afastado da escola para que ele possa voltar ali a sua rotina de atividades diárias, aquelas 4 ou 5 horas dentro de sala de aula, então é uma expectativa de como vai ser o andamento, como realmente vai acontecer”.

Nesse aspecto a professora Vanessa complementa com a ideia de que “teremos que resgatar aluno por aluno, pois alguns não serão beneficiados por essa educação a distância. Não sabemos nem por onde andam. Mudam-se os pensamentos, o jeito de trabalhar, o modo de usar a tecnologia em sala e confirmamos que o contato físico é o diferencial quando se fala de escola de nível fundamental, principalmente”

Ela anda recebendo algumas devolutivas muito interessantes dos alunos e acha que, mesmo sendo uma parcela pequena, ainda vale a pena cada minuto e sacrifício destinado a eles.

Para o professor Renato a EAD teve o papel de garantir o ensino “mesmo não tendo a mesma eficácia, era isso ou nada”. 

Aprendizados do ensino a distância

Alguns professores acreditam na possibilidade de ampliar a educação por meio dessa modalidade. “Acredito que, depois de tudo isso que o Brasil está vivenciando, o professor será um profissional melhor e mais valorizado pelas escolas e pelos próprios alunos. Creio, também, que será uma estação específica para correrem atrás de tempos perdidos e de focos deixados para trás.

Segundo ele, o ambiente presencial deixará de ser visto como essencial, embora seja muito importante. Ele deseja que as plataformas e as instituições repensem seus olhares sobre o ensino a distância com o fito de propiciar um ensino melhor e uma aprendizagem mais eficaz. 

Já o professor Thalles acredita que as  ferramentas utilizadas agora possam ser usadas como complemento para o ensino presencial, como plantões de dúvidas, correções, mas que tudo isso depende da construção de algo mais sólido em relação aos meios tecnológicos. “É preciso democratizar o acesso à internet, precisa ser revista principalmente no setor público devido às limitações.”

Assim, democratização dos meios digitais é o destaque de toda essa realidade, para que tanto educação a distância, quanto Homeschooling, sejam modalidades para promover educação de qualidade e autônoma aos brasileiros, independente do contexto social ou do imposto por uma situação como a pandemia que estamos vivendo. 

Esperamos que você, aluno, de sua casa, possa problematizar todos esses relatos de professores para argumentar sobre o tema aqui proposto, em sua futura redação, mas, principalmente que, nós, do Stoodi, tenhamos contribuído para a reflexão sobre a educação em nosso país.

  • Este texto foi produzido pela professora de redação do Stoodi, Gisele Lemos. A Gi é formada em Letras, especialista em Jornalismo Literário, uma admiradora das boas narrativas, sejam da música, do cinema, da literatura, das séries. Tem uma gata chamada Nietzsche, adora se maquiar e mudar a cor dos cabelos. Descubra mais sobre a nossa professora!
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