Este guia completo vai facilitar a sua vida na hora de escrever uma crônica
A crônica é um texto que tem a idade delimitada e narra fatos históricos, seguindo uma ordem cronológica. Geralmente faz uma crítica ou comentário sobre algo que está sendo debatido no momento.
Em primeiro lugar, uma crônica deve ser curta, essa é sua primeira regra de ouro. Ela não é um livro, nem pretende provar como funciona o universo.
É um texto mais simples, com o objetivo de apresentar uma única ideia ou uma percepção da realidade.
Sobretudo, uma percepção do cotidiano, das pequenas coisas da vida e, neste sentido, nós brasileiros, podemos nos orgulhar de termos produzido um dos maiores cronistas do mundo: Nelson Rodrigues.
A melhor fonte de exemplos de crônica que podemos citar. Muitas delas estão disponíveis na internet para que você leia, se inspire e, mais do que isso, para que perceba as diferenças entre os estilos utilizados pelo escritor.
Nelson escrevia sobre futebol, costumes, religião e até sobre política, mas, acima de tudo, escrevia sobre detalhes.
Esta é a segunda regra do gênero crônica: uma ideia simples e corriqueira, em um texto curto. No entanto, compreenda que uma ideia simples não significa uma ideia simplória.
Em geral, todo texto de Nelson seguia um roteiro básico.
Um exemplo de grande sacada foi o famoso “complexo de vira-latas”, que usou pela primeira vez para explicar os motivos de uma derrota da seleção brasileira.
Mais à frente, reproduziremos esta crônica para que você possa verificar isso por conta própria. Agora, precisamos fixar o que acabamos de dizer.
Então, vamos resumir de forma simples e direta.
Estas são as três principais características da crônica, mas não custa repetir que esta percepção pessoal, normalmente, se baseia em uma ideia simples.
E para podermos explicar isso melhor, primeiro, precisamos entender que apesar de seguir estas regras (ou características), existem algumas variações. E são estas variações que trazem à tona a ideia central de cada crônica. Então, vamos destrinchar o assunto.
A crônica, assim como todo texto, possui uma sequência lógica a ser seguida. Esse formato permite que ela seja legível. Portanto, a estrutura de uma crônica é formada por apresentação, desenvolvimento e conclusão.
Porém, como os objetivos de cada crônica são variáveis, estes elementos também têm pequenas variações. Para explicar isso, vejamos alguns tipos de crônica:
Esses não são os únicos estilos de crônica, mas são suficientes para perceber uma coisa que todos têm em comum: o ponto de vista do autor.
Ou seja, o humorista quer fazer rir e, para isso, escreve de forma diferente de quem argumenta a favor de uma ideia, por exemplo. Porém, ambos escrevem suas crônicas a partir de um ponto de vista. É por isso que o primeiro passo para escrever uma crônica é definir seu ponto de vista.
Finalmente, chegamos a escrita em si e para simplificar a forma de escrever uma crônica. Vamos imaginar um ponto de vista: digamos que você queira argumentar contra uma política do governo.
Como a política do presente é um assunto conhecido, você não precisa explicá-lo detalhadamente, porque as pessoas sabem do que está falando.
Desta forma, sua crônica só precisa descrever ou apresentar aquilo que não é óbvio na tal política, aquilo que você acha que as pessoas não estão enxergando.
Basicamente, você segue uma estrutura como esta:
Se fez tudo corretamente, o leitor já estará plenamente consciente da sua opinião quando apresentar seu ponto de vista, faltando apenas arrematar a ideia central.
Fora isso, o resto depende da sua dedicação, já que para escrever bons textos são necessárias duas coisas:
É de conhecimento geral que escrever sempre é uma maneira de melhorar a escrita. Porém, quanto a reler e revisar são 2 fatores muito importantes e responsáveis pelos principais erros cometidos em redações de estudantes.
Antes de concluir, vamos ver o exemplo da crônica de Nelson Rodrigues, citada no início.
Confira 3 exemplos de crônicas, de alguns dos melhores cronistas do Brasil.
“Hoje vou fazer do escrete o meu numeroso personagem da semana. Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: “O Brasil não vai nem se classificar!”. E, aqui, eu pergunto:
— Não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado?
Eis a verdade, amigos: — desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo passou em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. Eu disse “arrancou” como poderia dizer: “extraiu” de nós o título como se fosse um dente.
E hoje, se negamos o escrete de 58, não tenhamos dúvida: — é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: — o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: — se o Brasil vence na Suécia, se volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício.
Mas vejamos: — o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, “não”. Mas eis a verdade:
— eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: — sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado do Flamengo. Pois bem: — não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se num Puskas. Eu contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, um Zizinho.
A pura, a santa verdade é a seguinte: — qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma:
— temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de “complexo de vira-latas”. Estou a imaginar o espanto do leitor: — “O que vem a ser isso?” Eu explico.
Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: — e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: — porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.
Eu vos digo: — o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo.
O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que ele se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota.
Insisto: — para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão. “
Nelson Rodrigues, Texto extraído dos livros:“As cem melhores crônicas brasileiras”, editora Objetiva, Rio de Janeiro (RJ), p 118/119.
“À sombra das chuteiras imortais: crônicas de futebol”, seleção de notas de Ruy Castro – Companhia das Letras – 1993.
“O carro estava encostado no meio-fio, com um pneu furado. De pé ao lado do carro, olhando desconsoladamente para o pneu, uma moça muito bonitinha.
Tão bonitinha que atrás parou outro carro e dele desceu um homem dizendo
“Pode deixar”. Ele trocaria o pneu.
– Você tem macaco? – perguntou o homem.
– Não – respondeu a moça.
– Tudo bem, eu tenho – disse o homem – Você tem estepe?
– Não – disse a moça.
– Vamos usar o meu – disse o homem.
E pôs-se a trabalhar, trocando o pneu, sob o olhar da moça.
Terminou no momento em que chegava o ônibus que a moça estava esperando. Ele ficou ali, suando, de boca aberta, vendo o ônibus se afastar.
Dali a pouco chegou o dono do carro.
– Puxa, você trocou o pneu pra mim. Muito obrigado.
– É. Eu… Eu não posso ver pneu furado. Tenho que trocar.
– Coisa estranha.
– É uma compulsão. Sei lá.
Luís Fernando Veríssimo. Livro: Pai não entende nada. L&PM, 1991 “
Percebe como Nelson usa um evento do cotidiano para defender uma ideia?
Tudo que ele escreveu em sua crônica tem este objetivo: passar a mensagem de que nós precisamos superar o tal complexo de vira-latas. É um ponto de vista pessoal, passado claramente através de uma mensagem curta.
Lembre-se que uma mensagem pode ser curta, como em uma crônica, e isso não é um problema.
Quando pensamos em transmitir uma mensagem, precisamos tomar muito cuidado para que os leitores entendam nossa mensagem. A redação do Enem, por exemplo, analisa muito a capacidade de um candidato se expressar.
Por isso, é importante praticar todos os dias, mesmo que seja pouco.
Também é preciso ler o que você escreve, de preferência em voz alta, para você mesmo, em frente ao espelho. Esse é um exercício útil para verificar se suas ideias são coerentes, se a sequência em que está apresentando faz sentido e assim por diante.
E não há outro caminho. Neste caso, literalmente, apenas a prática é capaz de ajudar.
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