Amor: conto de Clarice Lispector já foi cobrado pela Unicamp | Stoodi
No texto, a protagonista Ana vai reavaliar a direção que sua vida tomou
Foto: Reprodução/ Divulgação
Atenção, galera que vai prestar a Unicamp: hoje a nossa conversa é sobre um texto que faz parte da lista de leitura obrigatória para o vestibular 2017. O conto “Amor” de Clarice Lispector, apesar de curto, vai apresentar uma infinidade de informações para destacar e relacionar durante a prova.
Vamos fazer o seguinte. Primeiro contaremos o enredo – aqueles fatos que realmente aconteceram. Depois vamos pensar juntos sobre o que a autora quis dizer com essas passagens, tudo bem?
O conto “Amor”
A primeira coisa que você precisa saber é que esse texto não é um romance, nem uma poesia. Esse texto é um conto – ele faz parte da coletânea “Laços de Família, publicado em 1960. Os contos são narrativas curtas que possuem apenas 1 conflito – com poucas variações e foco no tempo presente.
Ele vai mostrar o que aconteceu durante uma tarde de Ana, nossa protagonista. Ela é uma dona de casa feliz, de classe média, mãe e esposa. Faz de tudo para deixar sua casa sempre limpa, seus filhos alimentados e cuidar de sua família.
Certo dia, Ana decide fazer um jantar para reunir alguns parentes. Aproveitando que a casa está toda em dia e que seu serviço acabou, ela vai comprar ovos para a janta. O texto começa exatamente quando ela já comprou o alimento e está voltando para casa.
Dentro de um bonde, entre as paradas para pegar e deixar outros passageiros, ela avista um cego mascando chicletes. Aquela imagem provoca uma epifania – a personagem vê uma coisa “normal” e corriqueira que provavelmente passaria despercebida por outra pessoa, mas conta com uma revelação enorme para si. Um pequeno fato provocou uma reação avassaladora em Ana.
A partir dessa visão, ela vai começar a refletir sobre o amor e os rumos que sua vida levou. Ela sofre um susto, deixa sua bolsa cair e parte dos seus ovos se quebram. Com isso tudo, ela se deixa levar em meio a tantos pensamentos e perde o seu ponto de parada.
Quando vai ver, Ana está próxima ao Jardim Botânico. Ela decide entrar e passear um pouco. Começa a pensar sobre sua vida e analisar o que ela realmente faz de seus dias. Fica por horas olhando as árvores, até escurecer e o local fechar.
Quando volta para casa, Ana ainda está aérea, pensativa e um pouco arrependida de ter se questionado durante a tarde. Ela abraça seu filho com muita força – a ponto de quase machucá-lo – e diz ao marido “não quero que lhe aconteça nada, nunca”.
Análise da obra
Clarice Lispector, ao escrever esse conto, destacou ao leitor a reavaliação de Ana sobre a sua vida doméstica, de dona de casa, mãe e esposa. Não que ela não fosse feliz, muito pelo contrário. Mas ao adotar uma vida em função de sua família, ela esquece de viver propriamente a sua vida e de fazer suas escolhas.
De acordo com o narrador, existe uma hora perigosa no dia: aquela que ela já acabou todas as suas funções. Existe um tempo durante a tarde que seus móveis estão todos limpos, seus filhos no colégio e seu marido trabalhando. Essa hora é desconfortante. Ana diz que as árvores que ela mesmo plantou riam dela nesse momento. Por isso, ela sempre saía e procurava algo para se ocupar.
A análise e reavaliação da sua vida acontece quando ela vê um cego mascando um chiclete. Ele abre a boca e fecha, mecanicamente. Sorri e não sorri, num movimento sem fim. Isso a faz pensar como a sua vida é similar. Ela acorda, limpa tudo, alimenta a todos e cuida da família – isso tudo de forma mecânica.
Gatilho de reflexão
O cego é gatilho para ela sair de um mundo pequeno. Ele representa a vida que ela adotou no molde em que a sociedade impõe (com papeis específicos de mãe e esposa). Isso é caracterizado pelo trecho: “Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se tivesse sido inventado”.
A partir desse momento, ela começa a pensar como seria sua se ela não tivesse algumas obrigações com sua família. Quando ela percebe que pode sair daquele modelo e se deparar com diversas possibilidades, ela vai ao Jardim Botânico.
O jardim representa a vida dela como pessoa. Lá, ela pensa em si em primeiro lugar, não de forma egoísta, mas com foco nas suas decisões e escolhas – sem lembrar de terceiros. Ela passa a olhar para sua vida real como algo negativo: “O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno”.
Ela realmente cogitou em mudar de vida. Aquilo a hipnotizou de uma maneira que mexeu com a sua mente e a deixou confusa. Ela afirma, “O cego me levou ao pior de mim mesma”. No momento em que ela volta para casa, se sente tão mal de ter imaginado outra vida que abraça sua família com toda a força que tem.
“A vida do Jardim Botânico chamava-a como um lobisomem é chamado pelo luar. Oh! Mas ela amava o cego”, nesse trecho fica claro que ela não amava o cego propriamente dito como pessoa, mas sim a sua família. Ao modelo que o cego representava. De uma forma que, mesmo não sendo exatamente como gostaria, ela viveria daquela maneira e assumiria suas funções.
Sendo assim, o título do texto é “Amor” justamente porque ela mostra como o amor foi o ponto condutor de suas escolhas. Esse amor não é pelo cego, muito menos o amor próprio. Esse amor é pela sua família.
Foto: Reprodução/ Divulgação
Veja como esse texto já foi abordado em outros vestibulares
Unifesp (2005) De acordo com o texto, pode-se afirmar que a personagem Ana
a) sintetiza as qualidades da mulher burguesa e rica, que se responsabiliza pelo lar e em momento algum questiona suas atribuições.
b) é símbolo da mãe e da esposa de classe baixa, que vê nas tarefas do lar a verdadeira forma de ser feliz, mas almeja ser independente.
c) representa a mulher de classe média que cuida de suas tarefas, mas não sente prazer nisso, pois é incomodada por sua família.
d) é produto de uma sociedade feminista, o que se pode confirmar pela autonomia que tem para realizar suas tarefas.
e) constitui a referência do lar de classe média, no qual tem como missão a tarefa de organizá-lo e de cuidar dos familiares.
Alternativa correta: E
UEL (2001) Leia o seguinte trecho do conto “Amor”, de Clarice Lispector.
“O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão – e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram”.
(LISPECTOR, Clarice. Laços de família. 11. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. p. 21-2.)
Com base nesta leitura, é correto afirmar:
a) No trecho “a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir”, emerge a força do fantástico, traço tão significativo neste conto como em todos os demais contos de Laços de família.
b) No trecho “como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram”, percebe-se uma referência à súbita paixão que invade a protagonista, provocando o desequilíbrio familiar e o desejo de viver ao lado do amante.
c) No trecho “Expulsa de seus próprios dias”, revela-se o conflito da protagonista ao se defrontar, no espaço urbano, com uma cena comum que desencadeia uma reavaliação de sua vida íntima e doméstica.
d) No trecho “parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes”, destaca-se a atmosfera de mistério que provoca a aproximação entre esse conto e as histórias policiais com sua ambientação urbana.
e) No trecho “Vários anos ruíam”, sobressai uma marca destacada dos contos da autora: apresentar narrativas cuja ação se estende por uma longa duração de tempo.
Alternativa correta: C
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