Pokémon Go, Bienal de arte e sobre colocar-se em outra perspectiva
Por Marina Sestito
Stoodianos,
Ontem fui ver a Bienal de Arte de São Paulo, que está acontecendo no Ibirapuera.
Ao chegar no parque, comprei uma água de coco e fui andando feliz até o pavilhão onde estava acontecendo a Bienal. No meio do caminho, vi uma multidão que começou a correr desenfreadamente, como se algo muito ruim tivesse acontecido. Fiquei em choque. Pensei que não deveria ter saído de casa num feriado frio, que deveria estar embaixo das cobertas abraçada com a minha gata em vez de estar ali, no meio de uma confusão, sem saber o que estava acontecendo.
Alguns segundos depois, passado o choque inicial, entendi: não tinha acontecido nada ruim. Estava tudo bem. A multidão que corria estava apenas caçando Pokémons.
Com uma Bienal de Arte incrível acontecendo ali ao lado, gratuitamente, existe alguém no mundo que prefira correr pelo parque por causa de um jogo de realidade aumentada? Não consegui me conformar.
Até que me veio um novo choque. E se alguma das pessoas que estavam caçando Pokémons estivesse pensando a mesma coisa sobre mim? E se o absurdo fosse alguém preferir ver arte contemporânea a fazer parte de um movimento tão espontâneo?
Passei o resto do dia com essa questão e comecei a fazer um levantamento mental das razões que levam as pessoas a preferirem uma coisa ou a outra – assumindo que alguém não vá fazer as duas, claro, já que é perfeitamente possível caçar Pokémons numa Bienal de Arte ou caçar Pokémons e ir ver arte contemporânea depois.
Eu sou das pessoas que não caçam Pokémons, mas que precisam de arte para viver. A arte me apresenta possibilidades. A arte me aponta caminhos impossíveis, e esses caminhos me alimentam emocionalmente.
Pokémon Go também.
Pokémon Go forja uma realidade que é diferente da que a gente vive, mas que se baseia nela para existir, exatamente como a arte.
Pokémon Go causa interação entre as pessoas, que não estariam ali e não se encontrariam não fosse por um objetivo comum: caçar Pokémons.
A arte também. Saí da minha casa num feriado, com frio, para ir até um parque ver uma exposição, e lá encontrei muitas pessoas que também saíram de suas casas para ir até lá com o mesmo objetivo.
Nesse momento, meu cérebro travou. Não conseguia mais achar um absurdo as pessoas preferirem caçar Pokémon Go a visitar a Bienal de Arte. As razões não pareceram mais tão distantes, a não ser pelo fato de que a arte questiona estruturas e propôe mudanças de paradigmas, o que não consegui perceber em relação a Pokémon Go.
E o que isso tem a ver com Redação, pelo amor das deusas, se já estamos em setembro e não temos mais tempo para divagações?
Olhar para uma determinada situação sem considerar as outras possibilidades nos faz permanecer no senso comum, no preconceito, no texto mediano. Ao sair do nosso próprio ponto de vista, ganhamos criticidade. Quando você olha para aquilo que considera absurdo e tenta entender as razões que motivam aquele comportamento, percebe que são as mesmas que motivam alguns dos seus próprios comportamentos, ainda que os resultados deles sejam muito dessemelhantes no final.
Eu vou continuar preferindo ver uma exposição de arte contemporânea a caçar Pokémons, mas entendi que saio da minha casa para ir até uma Bienal porque isso me faz bem, me faz feliz, me traz acolhimento emocional. Quem caça Pokémons, o faz por que mesmo? Será que as motivações são tão diferentes das minhas para sair de casa no frio e ir até uma exposição?
Façam o exercício. Pensem em tudo que não faz parte do cotidiano de vocês e tentem imaginar as razões que levam as pessoas a praticarem essas ações. Pensem se essas razões não dialogam com você, se não dizem coisas que você mesmo sente ou que já sentiu alguma vez na vida. O nome disso é empatia. Sem empatia, não se ganha criticidade e não se faz uma boa redação.
Pronto, tá desvendado o segredo da redação nota mil 🙂
Muitos beijos, escrevam bastante e até semana que vem!
Você sabia que o Stoodi tem Correção de Redação? Conheça
Marina Sestito é a Coordenadora de Redação do Stoodi. Formou-se em Filosofia pela FFLCH, na USP – atualmente cursa Licenciatura na FEUSP. Trabalhou em cursinhos pré-vestibulares e hoje comanda a equipe de correção do Stoodi.